sexta-feira, 24 de agosto de 2012

EUA: Ofensiva Contra a Ciência

Pierre Barthelemy*

Em pleno periodo das primárias republicanas, nos EUA, lançou-se a caça ao voto ultraconservador. Esta passa, em especial, por uma guerrilha apoiada em motivos religiosos contra a ciência e quem a faz. Mesmo que os media apenas falem disso, o movimento mais importante neste sentido é o retorno do criacionismo oficial pela porta grande. Desde começos de 2012 estão em trâmite nada menos que seis projetos de lei em cuatro Estados (Indiana, Missouri, New Hampshire e Oklahoma), com os quais se pretende propor aos alunos das escolas públicas uma visão alternativa à teoría da evolução darwiniana.
Para se justificarem, alguns dos promotores destes textos não se poupam com argumentos toscos, como o republicano Jerry Bergevin, de New Hampshire, que disse o seguinte: “Quero que se apresente o retrato completo da evolução e das pessoas que tiveram essas ideias. É uma visão do mundo que não tem deus. O ateísmo foi ensaiado em vários países e estas sociedades foram verdadeiramente criminosas para dentro e para fora. A União Soviética, Cuba, os nazis, a China de hoje: não respeitam os ditreitps humanos .[…]. Deveríamos inquietarrno-nos perante semelhantes ideias criminosas e a maneira como as ensinamos...Recordai-vos de Columbine – acrescentou ao referir-se à matança do liceu de Columbine (Colorado), em 1999 –, onde dois jovens mataram treze pessoas antes de se suicidarem? Esses acreditvam na evolução.

Nem todos os adversarios da evolução lançam argumentos tão primários, desde logo, porque, depois de uma decisão do Tribunal Supremo de 1987, é anticonstitucional ensinar o criacionismo, considerado como um ponto de vista religioso. Para contornar este obstáculo, Josh Brecheen, representante republicano de Oklahoma, que pretende combater “a religião da evolução”, assinala no projeto de lei que apresentou no seu Estado que não exige que O crIacionismo (ou o seu avatar, o “desenho inteligente”) se introduza nos programas escolares. O seu discurso é mais subtil. Explicando que há que favorecer “a reflexão crítica, a análise lógica e a discussão objetiva no ensino”, o seu texto pretende inocentemente “promover um ambiente de reflexão crítica nas escolas, incluida uma crítica científica à teoría da evolução”...

Poder-se-ia acreditar que tudo isto não é mais do que uma nova onda criacionista como as que houveram em numerosas ocasiões desde o famoso “processo do macaco”, em 1925, no qual que um professor , John Scopes, foi condenado por ter ensinado aos sus alunos as grandes ideias da evolução. a realidade, a ofensiva atual vai para além da simples batalhita contra Darwin. Com efeito, no projeto de lei de Josh Brecheen podemos ler que a “reflexão crítica” nas escolas refere-se a “teorías científicas que incluem, entre uotras, a evolução, a origem da vida, o aquecimento global e a clonagem humana.

Sem dúvida que não é uma grande surpresa para os climatólogos que a “versão escolar” das suas investigações seja objeto de ataques por parte dos ultras republicanos. Tem certa lógica que o negacionismo científico, que floresce cada vez mais abertamente nas fileiras da direita cristã, o empreenda com ámbitos distintos da evolução. O fenómeno ganha amplitude, como se viu com as manifestações contrárias á vacinação [para prevenir o VPH ou Virus do Papiloma Humano] da ex candidata à republicana, Michelle Bachmann, há alguns meses, ou através dos ataques incessantes contra os climatólogos desde eo llamado “Climategate” de 2009. O último ataque até ahora é o lançado por outro candidato, Rick Santorum, que declarou, em começos de fevereiro, que o aquecimento global é “uma piada”. Convidadao para um colóquio sobre a energia, Santorum, feroz partidario das energías fósseis, explicou o seu punto de vista com estas palavras: “Sendo criaturas de Deus, estamos na Terra para exercer o nosso domínio sobre ela, para utilizá-la e administrá-la com sabeduría, mas em nosso proveito, não no da Terra.

O ex senador da Pensilvania afirmou depois que os trabajos sobre as alterações climáticas são uma “paródia absoluta da investigação científica, impulsionada por quem, a meu juízo, nela viram uma ocasião para criar o pánico e para o Governo a posibilidad de intervir nas nossas vidas, inclusivamente de as controlar. (...) Pela minha parte, nunca acreditei nessa piada. A ciência diz-nos que há cem fatores que influem no clima e sugerir que um fator menor, no qual a parte do homem não passa de un fator menor (referindo-se às emissões humanas de gases com efeito de estufa; NDR), é o ingrediente determinante que provoca todo o mecanismo de aquecimento e esfriamento climáticos é manifestamente absurdo.

O passo do criacionismo para um negacionismo mais amplo da ciência, agregando entre outros os climato-cépticos (e os seus lobbys), reflete duas coisas: em primeiro lugar, uma desconfiança crescente para com o mundo científico, cujas avanços comportam uma mudança radical da visão do mundo tradicional da direita cristã norte-americana; em segundo lugar, com estes projetos de lei sobre a educação estão a cavar os fundamentos do ensino público, seja obrigando-o a integrar uma visão religiosa do mundo, em geral, e das questões científicas, em particular, seja para o desvirtuar em favor da escola privada. Isto é o que explica a jornalista norte-americana Katherine Stewart (autora de um livro sobre a batalha levada a cabo pela direita fundamentalista para controlar a escola pública) num artígo publicado, em 12 de fevereiro, no The Guardian, onde escreve, em particular: “Os novos negacionistas da ciência parecem dizer que se não se pode silenciar a ciência, então há que silenciar as  escolas.”

* Pierre Barthelemy - jornalista cientista do “Le Monde”.
Publicado em: http://www.europe-solidaire.org/spip.php?article25549
Tradução: António José André.

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