segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Carta de um investigador a Angela Merkel

Querida Ângela,

Desculpa que te escreva em castelhano, mas o meu nível de alemão é similar ao de um orangotango de Bornéu em tempo de acasalamento. Podes pedir aos teus colegas Zapatero ou Rajoy que te traduzam esta carta. Ambos são célebres poliglotas, como deves ter descoberto nas reuniões do Conselho Europeu.

Agora a sério… Um dos aspectos, que pouca gente conhece de ti, é que és doutorada em física. Entre 1978 e 1990, foste investigadora na prestigiada Academia de Ciências de Berlim e publicaste importantes artigos no campo da química quántica. Suponho que isso ajuda a explicar porque, enquanto a Espanha cortava 35% nas ciências, desde o começo da crise, a Alemanha aumentava 20%.

Ângela, envio-te esta carta, porque estou cada dia mais preocupado que o teu governo nos faça de gregos. Sim, já sabes, que virás ao “resgate” e nos imporás reformas similares às que fizeram à Grécia: mudança da Constituição para que o pagamento da dívida tenha prioridade sobre qualquer despesa social, descida de 23% do salário mínimo, corte de pensões e despesas da saúde, etc.

Desde que começou o “resgate”, o desemprego na Grécia duplicou, o salário médio caiu 30%, disparou o número de pessoas sem abrigo e de suicídios. Bravo Ângela, és um fenómeno da empatia e da solidariedade humana.

Diz-se que Espanha deve fazer cortes, porque “a nossa despesa social é insustentável”. Uma e outra vez repetem que “temos vivido acima das nossas possibilidades”.

O problema desses argumentos é que se desmoronam, quando se vêem os dados. A despesa pública da França corresponde a 56% do seu PIB, Portugal 49%, Grécia 50%, Irlanda 49%, Itália 50%. Inclusivamente, os britânicos, “tão liberais!”, têm uma despesa pública de 49% do seu PIB. A despesa pública em Espanha é 43% do PIB, 6 pontos abaixo da média na eurozona. (Fonte: Eurostat, 2011).

Se acabamos por ser intervencionados, não será pelo excesso de despesa social, mas pelo buraco financeiro dos nossos bancos.

Aos banqueiros encanta-lhes louvar as virtudes do capitalismo. Permite-me que recorde como funciona o sistema capitalista, pois parece que o esqueceram de repente. Quando uma empresa toma decisões erradas ou está mal gerida, a empresa vai à falência. Ninguém obriga um banco a conceder um crédito ou uma hipoteca. Durante o boom, os bancos concederam hipotecas com abundância porque acreditavam que era o negócio perfeito. Mas a borbulha rebentou e agora exigem-nos que compensemos os seus prejuízos com dinheiro público.

O meu tio tem uma charcutaria, mas quando o seu negócio corre mal, não pode pedir uma injeção financeira do Estado. Resulta que Rodrigo Rato pode. Mais irónico ainda: os cidadãos estão a pagar pelos excessos dos banqueiros. Asseguro-te que os cortes na saúde pública não afetam demasiadamente Emilio Botín. O nosso capitalismo é digno dos Monty Python.

Ângela, fui educado até aqui. Mas se não pudermos fazer a bem, fá-lo-emos a mal. Como se nos ocorresse estar na mó de cima. Deportaremos imediatamente todos os alemâes que se torram nas nossas praias. Verás quando esses anjinhos voltarem para Kiel e descobrirem que o mar Báltico é um pouco mais fresquito que o Mediterrâneo. Vão organizar uma revolução que – ri-te – já sabes bem.

Como gesto de boa vontade, proponho-te que saiamos juntos para desfrutar uma noite de música tecno pelas discotecas de Berlim. Quem sabe, talvez surja o amor e acabemos brincando ao amanhecer sob a cúpula do Bundestag.

Não te preocupes, eu pago os profiláticos.

Dr. Alberto Sicília

(Investigador em Física Teórica)



Tradução: António José André

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