Portugal de Abril - Portugal por Cumprir
Em representação dos Deputados Municipais do Bloco de Esquerda gostaria antes de mais de solicitar ao senhor Presidente da Assembleia Municipal, que observássemos um minuto de silêncio, em memória do eurodeputado Miguel Portas, homem de Abril, pois apesar das diferenças partidárias, todos temos de reconhecer que foi um democrata e patriota, que deixa um legado inexcedível á Democracia Portuguesa e Internacional.
Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Municipal,
Exma. Sra. Vice-Presidente da Câmara,
Exmos. Srs. Vereadores,
Exmos. Srs. Deputados Municipais,
Caros Munícipes,
Encontramo-nos hoje e aqui para assinalar mais do que uma data. O 25 de abril representou o final de uma longa noite de pesadelo e o nascer de um novo dia de sonhos julgados impossíveis.
É que no século passado, Portugal viveu sob uma ditadura que durou uma vida. Com efeito, muitos foram os portugueses que nasceram e morreram na vigência de um regime autoritário e repressivo, sem conhecerem a liberdade. Saber a cor da liberdade, este era o desejo ardente e secreto do povo português, assim como dos povos das então províncias ultramarinas, almejo esse convictamente expresso pelo poeta Jorge de Sena no seu poema intitulado «Quem a tem...». Felizmente esse desiderato acalentado durante décadas foi cumprido na madrugada de 25 de abril de 1974, por ação de um grupo de militares, com destaque para os capitães.
Desta forma, o poeta, os portugueses e os povos africanos até então sob o jugo colonial, sentiram esse dia como o “dia inicial inteiro e limpo / Onde emergimos da noite e do silêncio / E livres habitamos a substância do tempo”, segundo as palavras de Sophia de Mello Breyner Andresen.
O 25 de abril de 74 foi um terreno fértil e legítimo de muitos sonhos, fertilizado pelo húmus da democracia, que resultou da liberdade. Aliás, esses sonhos foram revelados a todos, sob a forma de direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos, inscritos na Constituição da República. E pensamos, entre outros, no direito de constituir ou participar em associações e partidos políticos (Art. 51º), no direito ao trabalho (Art. 58º), na garantia de segurança no emprego (Art. 53º), no direito à segurança social (Art. 63º), no direito à proteção da saúde (Art. 64º), no direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado (Art. 66º) e no direito à educação e à cultura (Art. 73º).
No entanto, volvidos trinta e oitos anos sobre o nascimento da liberdade, como temos vivido nos últimos tempos?
Desde logo, o Estado, ou melhor, os governos que o têm representado, os quais têm como uma das tarefas fundamentais a garantia da independência nacional e a criação das condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam, têm sido justamente os responsáveis pela sucessiva perda dessa soberania, agora claramente apercebida, com a delegação de poderes, sem que para isso os cidadãos tivessem sido consultados, num triunvirato financeiro, constituído pelo FMI, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia. Por isso, não é de admirar que o não cumprimento dessa primeira tarefa do Estado levasse a que algumas das outras tarefas também deixassem de ser realizadas, ou passassem a ser executadas com desmazelo.
Dois exemplos servem para ilustrar esta nossa afirmação. Em vez de o governo “Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses [...]” (Art. 9º, alínea c), promove o empobrecimento e a desigualdade; no lugar de “Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa” (Art. 9º, alínea f), retira condições, meios e recursos à escola pública, impede a certificação de competências de muitos milhares de portugueses e retira às crianças e jovens, filhos de emigrantes portugueses, a possibilidade de aprenderem a língua dos seus pais.
Temos para nós que a democracia que foi instaurada com o 25 de abril foi alvo de um plano de sequestro, posto em ação ao longo de muitos anos, sem que muitos de nós nos déssemos conta disso. Trata-se de um sequestro especial, pois a democracia tem vivido em liberdade condicional, e os raptores não vivem num qualquer esconderijo, recebendo o resgate exigido. Os autores desse rapto, os plutocratas e os corruptocratas, antes mantêm verdadeiramente em cativeiro a justiça. Só assim se entende que a incumbência, constitucionalmente atribuída ao Estado de promoção da justiça social, bem como a repartição justa dos rendimentos e da riqueza, por via do sistema fiscal, não sejam postas em prática, quais casos judiciais que envolvem os poderosos e influentes, e que depois de anos a fio sem ir a pleito, acabam prescritos.
Muitos direitos, os tais que estão na “Magna Carta”, vêm com efeito sendo alvo de ataques, das mais diversas formas, sem que aparentemente os cidadãos consigam travar tal ímpeto destruidor.
Sim, o Portugal do pós-25 de abril vem sendo um caso de justiça. Se um punhado de poderosos espolia um banco, quem é chamado a repor o que lá falta? É o povo trabalhador.
Se os governos assinam contratos lesivos ao erário público, quem é mais afetado, ao ser chamado a reparar os danos? São os contribuintes de menores rendimentos.
Em suma, o sentimento e a perceção da maioria dos portugueses, ou seja, do povo, é que há duas justiças, a que julga os influentes e poderosos, incluindo os responsáveis de cargos políticos ou de altos cargos públicos, e a que julga esse mesmo povo.
O que hoje se trata é de aplicar a lei sem olhar à influência social, económica ou política dos cidadãos. E já que gostamos de adotar certos exemplos vindos de fora, ponhamos os olhos no exemplo islandês, pois os islandeses consideraram que o interesse nacional estava (e está em qualquer regime que se autoproclame de democrático) acima de qualquer chefe de governo, e daí a decisão de julgar o seu primeiro-ministro pela ruína financeira do país.
Para terminar, diríamos que no dia em que em Portugal a justiça for restituída à liberdade, o país virará uma nova página no grande livro de abril que os militares começaram a escrever, e que cabe a todos os cidadãos continuar a fazê-lo, pois, parafraseando o Poeta da Mensagem, Fernando Pessoa, falta cumprir-se Portugal.
Pelo BE Condeixa
Carlos Fontes
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