quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

O outro 23 de Novembro de 1963

 Há 50 anos, no mesmo dia em que morria Kennedy, morriam Aldous Huxley e C. S. Lewis. Um escreveu "Admirável Mundo Novo"; o outro, "As Crónicas de Nárnia". Ambos procuraram uma verdade por caminhos alternativos.



Em 1957, antes de se tornar no mais carismático presidente da história dos Estados Unidos, John Fitzgerald Kennedy foi escritor. E teve êxito: ganhou o Prémio Pulitzer com “Profiles in Courage. Mas apenas seis anos depois – há precisamente meio século – o presidente escritor morreu assassinado. A sombra do magnicidio fez com que a maioria esquecesse que nesse 22 de novembro de 1963 faleceram Aldous Huxley e Clive Staples Lewis, dois autores verdadeiramente trascendentes no mapa da literatura contemporánea.

Os seus obituários, mais pequenos que o do presidente, tardaram em sair. O primeiro, morreu na Califórnia; o segundo, em Oxford. Os dois perderam as suas mães, quando eram crianças e os dois tinham uma literatura potente e carregada de alegorias, filosofia e perguntas que parecem respostas.

Um era cristão e o outro não. Os dois eram britânicos, ainda que C.S. Lewis tenha crescido em Belfast. As experiências traumáticas também os aparentam. Pouco antes de Lewis ter participado na Primeira Guerra Mundial e carregou essa vivência para o resto da sua vida, Huxley lutou contra uma cegueira que o manteve às escuras durante quase dois anos. Em 1942, escreveria a esse respeito “A Arte de Ver”. Os caminhos de um e doutro continuaram a cruzar-se sempre. Os dois casaram-se com estrangeiras.

A enumeração dos factos não é caprichosa. As vidas de ambos refletem-se nas suas obras e, por momentos, são indivisíveis.

Quando Lewis tinha 32 anos, o seu amigo J.R.Tolkien – autor de “O Senhor dos Aneis” – convenceu-o a voltar para o cristianismo, mas não conseguiu arrastá-lo para o catolicismo; decepcionado, viu Lewis tornar-se anglicano. A sua obra mais conhecida são os sete tomos que compõem “As Crónicas de Nárnia”: uma apología cristã. Lewis acreditava que a sua obra não sobreviveria, mas nunca se tornou tão famosa como nos últimos anos, depois da sua adaptação cinematográfica. O mesmo acontece com “A Trilogía Cósmica”. Foi ensaísta, escreveu as suas memórias e foi locutor. Mas nem sempre o recordam bem. Philip Pullman, autor de “A Matéria Obscura”, apelidou os seus livros de “reacionários” e “propaganda cristã”, “descaradamente racista”. Apologista cristão, seguramente, mas nem por isso descobriram uma placa em sua honra na Abadia de Westminster.

Para falar da vida e obra de Aldous Huxley, basta falar da sua morte, que a sua última esposa – Laura Archero – detalhou numa carta ao irmão do seu esposo, Julian Huxley. “A expressão do seu rosto começava a olhar como fez cada vez que praticava a medicina moksha, quando essa imensa expressão de completa felicidade e o amor o invadia. Deixei que passasse meia hora e logo decidi dar-lhe outros 100 mg”, relata. Huxley decidiu viver essas horas numa viagem de LSD, enquanto a sua mulher recitava “O Livro Tibetano dos Mortos”.

Um certo misticismo oriental e a experimentação sensorial – que já tinha provado na sua cegueira precoce – aparecem em boa parte da sua obra. Durante as suas viagens de mescalina prévias às de LSD escreveu “As Portas da Perceção”. Muito anterior é o seu livro mais famoso – posterior a “Contraponto – Admirável Mundo Novo”, uma distopia futurista sobre o controle social. Continuou as suas viagens pela América Central e mais tarde pelo Médio Oriente. Visitou Buenos Aires e hospedou-se na casa de Victoria Ocampo. Já se tinha mudado permanentemente para os Estados Unidos,donde cultivou o seu misticismo e amizades com celebridades, tais como Charles Chaplin ou Walt Disney. Menos conhecido é “A Ilha”, a contraface de “Admirável Mundo Novo”. Em “A Ilha”, os nativos abandonam a medicina Moksha para se iluminarem. “O que sucedeu é importante, não só para os seus ente queridos como para a continuação do seu trabalho, pelo que tem import:ância para as pessoas”, escreve a sua viúva no começo dessa famosa carta.

Huxley e Lewis não eram amigos, como muitos pensam. Nem sequer há demasiados registos de que se tenham lido ou convivido. Parecem-se, sem dúvida. Os dois procuravam uma verdade sem o tom professoral de Herman Hesse. Um autor mais oportunista, Peter Kreft, imaginou um encontro entre eles e Kennedy, no Purgatório, na sua novela “Entre o Céu e o Inferno”. Quem sabe?!
 


*Guido Carelli Lynch é jornalista. Publicado em: http://www.revistaenie.clarin.com


Tradução: António José André

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