domingo, 4 de março de 2012

Francisco Louçã: ‘Sair do euro teria um efeito catastrófico’


Francisco Louçã

Coordenador do Bloco de Esquerda

‘Sair do euro teria um efeito catastrófico’

O deputado bloquista propõe um neologismo para os tempos da troika: dividadura
Por Paulo Pena

Meio dívida, meio ditadura, é assim o novo livro do catedrático do ISEG que dirige o BE. A dividadura – Portugal na crise do euro (Bertrand), em parceria com a também economista Mariana Mortágua, será lançado segunda-feira e terá a apresenta-lo um improvável catedrático de direito: Marcelo Rebelo de Sousa.
Antes de procurarmos antecipar o que, neste livro, pode aproximar Louçã de Marcelo (talvez apenas a recusa da saída do euro…), precisamos de o dividir em dois: o livro didático, que percorre a forma como as sociedades (desde a Mesopotâmia) lidaram com as dívidas; e o livro de crítica, política e económica, à situação atual. Ficamos a saber que a famosa Pedra da Roseta, a partir da qual se decifrou a escrita hieroglífica, não é mais do que um édito de perdão de dívida. E ficamos também a saber que Louçã defende o não pagamento de juros sobre o resgate da troika.

Quando diz que Portugal deve «recusar o plano da troika», isso significa que deve restituir as verbas do resgate financeiro?
Portugal deve renegociar montantes, condições. E deve cancelar a parte da dívida que é mentira. Quando o País está comprometido a 30 anos a pagar dos seus impostos 12 a 18% de Parcerias Público Privado, esse juro deve ser cancelado unilateralmente pelo Estado.

Uma das partes da dívida que considera «ilegítima» é o montante dos juros. Como é que isso pode ser renegociado?
Michel Rocard, ex-primeiro-ministro francês, revelou à pouco tempo os contornos ignorados do plano de resgate que George W. Bush aplicou nos EUA. Esse resgate teve um juro de 0,01 por cento. Rocard propunha que o BCE financiasse a dívida dos Estados, com contratos e com limites a 0,001 por cento. É esse nível de juro, com políticas inteligentes contra a crise, que é necessário. Um juro de 4%, que é quanto Portugal está a pagar atualmente à troika, é um assalto à mão armada.

Refere que a soma das medidas de austeridade chega apenas para pagar os juros…
Isso é para este ano. Daqui a dois anos será muitíssimo pior. Quando chegarmos a 2021os juros serão três vezes maiores. Sem um cêntimo de novos empréstimos nos mercados a partir de setembro de 2013, Portugal vai sempre aumentar a dívida, nos próprios cálculos do FMI.

Propõe um plano de reindustrialização do País, financiado através do crédito da Caixa Geral de Depósitos. Quanto tempo demoraria um plano destes a produzir efeitos?
O aumento do crédito à economia tem um efeito imediato. É o equivalente à emissão de moeda. É evidente que uma reindustrialização é um processo de médio a longo prazo, porque implica o reajustamento das qualificações e do investimento. Ao longo dos últimos anos, o crédito concedido pela banca foi, em 70% dirigido ao investimento imobiliário. Só 6% se destinava à indústria e à produção. Isto é uma tragédia. É preciso que haja uma ação diretiva do crédito público, e isso só a CGD pode fazer, nas mãos de um Governo que tenha um projeto para a economia nacional… As oportunidades são imensas: mesmo no acordo da troika há 12 biliões atrbídos ao refinanciamento da banca. Mas os bancos só querem recorrer a metade. Colocar a metade que sobra  na injeção de crédito em projetos que criem emprego e substituem importações, sejam sustentáveis, seria muito importante.

Recusa a saída do euro, que considera um erro. Isso depende apenas de Portugal?
O único projeto que poderia realizar a saída de Portugal do euroé a expulsão por ordem de Merkel. Não existe nenhum outro, viável. Rejeito a estratégia de saída do euro, muito economista, de uma fortíssima desvalorização dos salários para aumentar a margem de lucro das empresas. Isso depende de hipóteses extravagantes: de que exista uma forte procura internacional, muito dirigida aos nossos produtos, que exista uma grande capacidade exportadora da nossa economia, que não estejam dependentes da importação de combustíveis, de medicamentos, de alimentos… Isso teria um efeito catastrófico sobre a vida das pessoas. Mas nós estamos a assistir a fatores de desagregação da EU, que não são Portugal, nem a Grécia… São a Espanha, a Itália e a política de contenção da procura na Alemanha. O risco da Eu implodir, ou recorrer a soluções ultra-autoritárias, de centralização, é fortíssimo. E é o contexto mais perigoso para a Europa e para Portugal.
in Visão

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