domingo, 18 de março de 2012

Bolsas por um canudo


As novas regras de atribuição de Apoio Social Escolar causaram uma drástica redução do número de bolseiros, nas universidades. Há estudantes sem dinheiro para comer.
Por Sara Rodrigues

Menos bolsas de estudo, mais alunos em dificuldades. A equação tem ganho dimensão, na universidades nacionais, nos últimos meses.
As alterações ao regulamento para atribuição de bolsas aos estudantes do Ensino Superior - publicadas a 23 de setembro - aniquilaram os sonhos de milhares de jovens. Este ano, dos 96767 alunos que se candidataram, 48% foram recusados. Um número acima daquele que se verificou no ano passado, com 46% de preponentes rejeitados, mas que pode subir, dado que ainda falta analisar 10 mil processos. Em apenas dois anos, o número de bolseiros diminuiu 30 mil (ver caixa). 
«E se estas regras se mantiverem, o total de bolsas concedidas continuará a cair», afirma, de forma taxativa, Luísa Cerdeira, pró-reitora da Universidade de Lisboa.
De acordo com esses novos critérios, os candidatos cujo agregado familiar tenha um rendimento per capita superior a €6800/anos são rejeitados, assim como os alunos que tiverem algum membro da família com dívidas à Segurança Social ou às finanças. Na Universidade do Porto, segundo o presidente da Associação Académica, Luís Rebelo, «2 mil estudantes viram a bolsa recusada por causa de dívidas familiares».
Ana Drago, deputada do Bloco de Esquerda - partido que requereu, em fevereiro, a presença do secretário de Estado do Ensino Superior no Parlamento para o inquirir sobre a matéria -, diz que este pressuposto «é grave», já que « a ação social é um direito do estudante». Embora reconheça que as bolsas são pedidas com base nos rendimentos, invoca «a a complicada situação financeira do País».

Mães desesperadas
Outro dos problemas é a burocratização do processo de candidatura. Na Universidade Nova de Lisboa, de acordo com os números da Associação Académica, cerca de 35% dos candidatos viram a sua pretensão indeferida por causa do preenchimento irregular dos questionários ou falta de documentação. Pedro Coelho, presidente da associação e bolseiro, conta que teve de «entregar papéis em três fases distintas».
Pedro Delgado Alves, deputado e líder da JS, considera que «há um recuo» no novo regulamento, pois antes, os estudantes contemplados com bolsa,«apenas tinham de atualizar anualmente os dados do agregado familiar, enquanto agora têm de candidatar-se todos os anos.
Os alunos queixam-se de que a nova lei não acompanha a realidade social. Em tempo de crise económica, ficar sem bolsa ou com o seu montante diminuído pode ser trágico para muitos. «O risco de abandono escolar é muito superior, nestas condições», afirma Ana Drago, que questionou o Governo sobre o número de alunos a receber o valor mínimo da bolsa (o equivalente à propina anual, que, este ano letivo, é de 999 euros). O Executivo não respondeu, embora o secretário de Estado do Ensino Superior tenha dito, no Parlamento, que o apoio médio é de €1805 para o ensino público (pagos em dez meses), assinalando o acréscimo de €92 face ao ano anterior.
Tanto o secretário de Estado como o diretor-geral do Esnsino Superior não se mostrarm disponíveis para responder às perguntas da VISÃO.
O certo é que os pedidos de ajuda financeira têm aumentado, nos últimos meses. «Já recebi telefonemas de mães de alunos. Isto nunca tinha acontecido, verifica Filipe Pacheco, da Associação Académica do Instituto Superior Técnico. Nesta faculdade foi criado o Fundo de Emergência Social para acorrer a alunos que, por exemplo, deixaram de receber a bolsa e não têm dinheiro, sequer, para a alimentação ou transportes. «Mas isto não pode de maneira nenhuma substituir-se ao Apoio Social Escolar estatal, avisa.

Ainda à espera de bolsa
Na Universidade de Lisboa (UL), a situação não é diferente. O número de bolseiros diminuiu de 3398, em 2009, para os atuais 1958 (candidataram-se 5 mil). E, à semelhança das restantes universidades do País, na UL ainda há 286 alunos que estão à espera - em março - de resposta da Direção-Geral do Ensino Superior para saberem se vão receber bolsa.
Confrontada com situações crescentes de fome e pobreza silenciosa, a UL criou o programa Consciência Social, em 2009. Este ano letivo, em apenas cinco meses, o mesmo número de alunos a receber o auxílio já é igual ao de todo o ano passado, cerca de 110.
Os estudantes «vêm ter connosco porque perderam a bolsa ou porque os pais deixaram de ter condições financeiras. Além das senhas de refeição e do passe para transportes, a UL encontrou nas Bolsas de Mérito Social que criou uma maneira de pagar pequenas remunerações por trabalhos ocasionais. Ajudar na cantina, na biblioteca ou na preparação de congressos vale uma ajuda financeira. «Não vamos resolver o problema, mas não queremos que os alunos desistam de estudar, diz Luís Cerdeira. Este, acredita, é o cerne da questão. 

Um caso 'Talvez tenha de desistir'
Gil Gaspar, 21 anos, estudantes de Engenharia Biológica no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, já não consegue fazer mais contas. Se a Caixa Geral de Depósitos não lhe conceder o Crédito à Formação, de €7500, que solicitou, terá de desistir do curso.  O pedido já foi recusado por outros dois bancos e esta é a sua última esperança. Durante dois anos, recebeu a bolsa de estudo mínima - €98 mensais para as propinas -, mas este ano foi-lhe cortada. Motivo: os rendimentos do agregado familiar, embora sejam os mesmos do ano passado - o pai ganha o ordenado mínimo e o ordenado da mãe, de cerca de €1500 líquidos, será reduzido em €600 devido aos cortes  efetuados pela empresa one trabalha. Por outro lado, o irmão de Gil, de 8 anos, tem vários problemas de saúde que consomem €500/mês do orçamento familiar. 

As contas mensais do estudante resumem-se ao essencial: €180 para o aluguer da casa que divide com dois colegas - é de Sobral de Monte Agraço (junto a Mafra), mas ir e voltar todos os dias é mais caro do que a renda - e €150 (que os avós lhe dão) para tudo o resto. Não frequenta cafés; não gasta dinheiro em sebentas, apenas tira as fotocópias que considera essenciais; se vai ao Bairro Alto para conversar, na rua, com os amigos, volta a pé para casa, nas Olaias; não come na cantina da faculdade - «€2,40 não parece muito, mas dá para comprar 1kg de arroz e bifanas para mais do que uma vez»; não compra roupa há dois anos; a internet de casa já foi cortada, porque os dois colegas também ficaram sem bolsa. «Não é justo pedir mais aos meus avós, o dinheiro quase não chega para eles», lamenta. Os pais, diz, «envergonham-se de não conseguir pagar os estudos do filho». E Gil? Gil guarda «sentimentos de culpa» por ver «a família a passar dificuldades para ele poder frequentar a faculdade».

in Visão

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