No centro da democracia, a cultura
José Manuel Pureza
A democracia é o lugar político em que a diversidade é o bem maior. E, por isso, é inerente à democracia a garantia de que ninguém - nem o Estado, nem o mercado, nem as maiorias momentâneas - suprimirá formas de pensar, orientações estéticas, perspetivas políticas ou propostas doutrinais.
É, pois, de democracia que se trata quando a desresponsabilização do Estado põe em causa a diversidade da criação cultural e artística ao dispor dos cidadãos. E é o combate pela democracia que exige o repúdio de três mitos nefastos a este propósito. O primeiro é o de que os "milhões" que se "espatifam" em apoio à criação artística em Portugal são "um luxo" que não nos podemos permitir quando "há tantas coisas mais importantes". Puro populismo: em Portugal, o nível de investimento público em cultura foi sempre deficitário - atualmente, representa apenas 0,1% (!) do Orçamento do Estado - o que produziu um sector com estruturas extremamente frágeis e uma enorme precariedade laboral, incapaz de dar a resposta que o país precisava e em clara desvantagem com os sectores congéneres dos outros países europeus. Os cortes dos últimos anos colocaram-no já no limiar da sobrevivência e puseram em causa a continuidade da criação artística de serviço público em moldes profissionais - as companhias e os teatros estão à beira do colapso e há cada vez mais artistas e outros trabalhadores da cultura a terem de arranjar outros empregos para poderem sobreviver.
O segundo mito de que se alimenta a cultura anticultural que tem prevalecido na governação é o de que os criadores artísticos e culturais são, na sua grande maioria, uma pequena elite de gente indolente, com gostos esquisitos, alheios à sensibilidade da grande maioria e que vive dos subsídios do Estado. Este mito da subsídio-dependência elitista tem dois lados. Um é a ocultação deliberada de que, em Portugal, os verdadeiros subsidiodependentes são os grupos económicos (a elite da elite) com rendas gigantescas garantidas pelas parcerias público-privado. Outro é a insinuação de que o apoio público à criação cultural é puro desperdício e que se deve confiar ao mercado a remuneração de quem "faz coisas de que as pessoas gostam". Ora, é óbvio que o mercado tende a concentrar a oferta nas formas de expressão artística que mais facilmente são consumidas pelas maiorias, gerando receitas. Só o financiamento público pode garantir uma oferta plural e diversificada, capaz de chegar a toda a população, independentemente do lugar onde vive ou das suas condições económicas.
O terceiro mito é o de que a crise exige que se corte nos apoios públicos à cultura. É um mito que transporta uma armadilha: sugere que temos de optar entre cultura e hospitais ou escolas. A retórica de "uma coisa ou a outra não dá para tudo" disfarça a política concreta do "nem uma coisa nem a outra". A verdade é que, entre escolas, hospitais e cultura, os talibãs dos cortes escolhem submarinos. A crise é um pretexto para aplicar na cultura o mesmo receituário liberal adotado pelo Governo para todos os demais sectores da nossa vida social: cortar a eito, destruir estruturas, desresponsabilizar o Estado e deixar os protagonistas do sector à mercê da lógica darwinista do mercado.
Não, não é uma questão de contas. É uma questão de princípios, de mais ou de menos democracia, de respeito por todos e pelos seus direitos. É uma questão de ambição social: ou queremos um país de gente amestrada, acrítica e formatada pelos padrões massificados, ou abrimos espaço - agora que ou reagimos ou morremos - para gente com horizontes amplos, com capacidades reflexivas, críticas e participativas, para pessoas mais criativas, mais tolerantes, mais cosmopolitas, mais democráticas.
O segundo mito de que se alimenta a cultura anticultural que tem prevalecido na governação é o de que os criadores artísticos e culturais são, na sua grande maioria, uma pequena elite de gente indolente, com gostos esquisitos, alheios à sensibilidade da grande maioria e que vive dos subsídios do Estado. Este mito da subsídio-dependência elitista tem dois lados. Um é a ocultação deliberada de que, em Portugal, os verdadeiros subsidiodependentes são os grupos económicos (a elite da elite) com rendas gigantescas garantidas pelas parcerias público-privado. Outro é a insinuação de que o apoio público à criação cultural é puro desperdício e que se deve confiar ao mercado a remuneração de quem "faz coisas de que as pessoas gostam". Ora, é óbvio que o mercado tende a concentrar a oferta nas formas de expressão artística que mais facilmente são consumidas pelas maiorias, gerando receitas. Só o financiamento público pode garantir uma oferta plural e diversificada, capaz de chegar a toda a população, independentemente do lugar onde vive ou das suas condições económicas.
O terceiro mito é o de que a crise exige que se corte nos apoios públicos à cultura. É um mito que transporta uma armadilha: sugere que temos de optar entre cultura e hospitais ou escolas. A retórica de "uma coisa ou a outra não dá para tudo" disfarça a política concreta do "nem uma coisa nem a outra". A verdade é que, entre escolas, hospitais e cultura, os talibãs dos cortes escolhem submarinos. A crise é um pretexto para aplicar na cultura o mesmo receituário liberal adotado pelo Governo para todos os demais sectores da nossa vida social: cortar a eito, destruir estruturas, desresponsabilizar o Estado e deixar os protagonistas do sector à mercê da lógica darwinista do mercado.
Não, não é uma questão de contas. É uma questão de princípios, de mais ou de menos democracia, de respeito por todos e pelos seus direitos. É uma questão de ambição social: ou queremos um país de gente amestrada, acrítica e formatada pelos padrões massificados, ou abrimos espaço - agora que ou reagimos ou morremos - para gente com horizontes amplos, com capacidades reflexivas, críticas e participativas, para pessoas mais criativas, mais tolerantes, mais cosmopolitas, mais democráticas.
Sem comentários:
Enviar um comentário