Catarina Martins, Deputada do Bloco de Esquerda
As companhias de teatro de Coimbra, do Algarve, de Évora, de Braga, da Covilhã e de Montemuro declararam que estão à beira da extinção. Se nada for feito a Escola da Noite de Coimbra, a Acta do Algarve, o Cendrev de Évora, a Companhia de Teatro de Braga, o Teatro das Beiras da Covilhã e o Teatro de Montemuro deixarão de existir.
Entre estas companhias estão estruturas das mais antigas do país e estruturas que são responsáveis pelo funcionamento dos teatros municipais das suas cidades. Quando até estas companhias anunciam o seu desaparecimento iminente sabemos que a situação de rutura na cultura em Portugal é total.
E como estas, muitas outras companhias um pouco por todo o país, vivem a mesma realidade descrita no comunicado das companhias da descentralização: “dezenas de despedimentos, multiplicam-se as pessoas a trabalhar a meio tempo, há salários em atraso, crescem as dívidas a fornecedores e os empréstimos, bancários ou pessoais.”
As companhias de teatro são serviços públicos de cultura por excelência em todo o território. Sem elas o acesso à cultura, direito constitucionalmente consagrado, não seria mais do que uma ideia remota. E como as companhias de teatro, também as companhias de dança e as orquestras e agrupamentos musicais são pilares das políticas públicas para a cultura.
Trabalham com crianças e jovens, estão presentes na Escola Pública, constroem comunidades de públicos e a programação cultural de todo o país. Habitam os teatros e as praças, reinventam lugares, constroem festivais e, mesmo quando tudo está tão difícil, são quem dá sentido às celebrações coletivas. Dão-nos a conhecer o património das artes e as linguagens contemporâneas. Através do seu trabalho descobrimos a literatura, a música, as artes plásticas, a dança e o teatro de todos os tempos e do nosso tempo. De todo o mundo e do nosso país.
Se tudo tem corrido bem até agora? Não, longe disso. O desinvestimento na cultura, as políticas erráticas, o desprezo por quem faz da arte a sua vida, não são de agora e são culpados pelo desperdício imenso que é existir ainda tanto por fazer e tanta gente sem acesso às artes. Mas dizer que tudo está na mesma é negar a realidade. Não é de desinvestimento ou desperdício que falamos já. É sim de uma política ativa de destruição da arte e da cultura em Portugal.
O orçamento da Secretaria de Estado da Cultura não passa hoje de uns ridículos 0,1%. E não nos digam que as reduções foram em todas as áreas. A cultura pesa hoje muito menos no orçamento do Estado. Não é só de valores absolutos que falamos. É da própria existência de financiamento à cultura como obrigação do Estado.
O Governo que afirma que não rasga contratos na hora de pagar as PPPs e as rendas excessivas que minam o nosso país, não só rasgou os contratos que assinou com as estruturas de criação e produção artística como nem sequer cumpriu a lei. 2012 é o ano zero no financiamento à cultura, tanto pelas reduções de 100% nos financiamentos – sim, 100%; cortes totais – como pelo mais profundo desprezo de toda a legislação em vigor.
A legislação obriga ao lançamento de concursos – concursos, não ajustes diretos, note-se bem – e nenhum dos concursos a que a lei obriga foi aberto. Zero. Nada. E veio o Secretário de Estado da Cultura esta semana ao parlamento falar de cronogramas para concursos de 2013. Sem abrir um único. Sem nenhum compromisso concreto. Zero. Nada.
Este Governo cortou até os contratos assinados anteriormente e cortou 100% em tudo o que dependia de si. Durante algum tempo o Secretário de Estado da Cultura tentou negar as evidências. Agora é já impossível esconder: os concursos que não abriram este ano já não vão abrir.
Continua o Governo a repetir que tudo fará para abrir alguns dos prometidos concursos da Direção Geral das Artes, ou mesmo do Instituto do Cinema e Audiovisual. Sejamos francos: não tem orçamento, não tem já tempo, nunca teve vontade. Adiou, adiou sempre, numa política de facto consumada para que 2012 fosse um ano zero no financiamento à cultura.
É certo que muito do que se vai fazendo em cultura em Portugal depende das autarquias. Mas é certo também que nas autarquias os problemas se avolumam. Sem nunca ter existido uma relação clara entre as responsabilidades centrais e locais, não se construiu também nunca a autonomia dos equipamentos culturais locais ou a transparência e continuidade das políticas locais. E agora, sobre toda a fragilidade, aparecem os cortes centrais e locais.
Há cidades portuguesas em que a programação do teatro municipal teve cortes de mais de 75%. Em muitos casos, este ano ainda não foi pago, ou mesmo assinado, qualquer contrato programa com as instituições culturais. E nalguns casos a autarquia deixou de financiar completamente os equipamentos municipais e colocou essa responsabilidade, e essa despesa, a cargo das estruturas culturais locais.
Dizia o Secretário de Estado “Não há dinheiro”, no debate do Orçamento do Estado, e que iria arranjar soluções. Sabemos agora que não foi capaz de arranjar uma única solução. E que só no BPN já foram o equivalente a 40 anos de orçamento da Secretaria de Estado da Cultura, mais de 6 séculos de apoio às artes. Não há dinheiro? Não há dinheiro? 6 séculos de apoio às artes no BPN. Parece ficção, tomara fosse. Mas é assim mesmo.
Quem faz arte e cultura hoje em Portugal sabe que o Governo é o seu pior inimigo. Não financia, muda regras a meio do jogo, subiu a luz, as taxas e tudo o que pode. Estruturas que se reformularam para baixar os custos, viram todos os esforços gorados com o aumento da taxa de IVA da eletricidade de 13% para 23%. Companhias que deixaram de poder pagar salários e segurança social ficam sem acesso aos apoios anteriormente contratados porque têm dívidas. Profissionais que ficaram sem trabalho são hoje voluntários naquele que era o seu posto de trabalho e recorrem à caridade.
Trabalho de décadas com escolas destruído. Populações inteiras sem acesso ao direito constitucional de “criação e fruição cultural”. Co-produções internacionais abandonadas, residências artísticas canceladas, saída forçada das redes europeias de programação. O Governo está a conseguir o pleno: a desprofissionalização do setor e o encerramento das coletividades amadoras.
Esta é a política da terra queimada, que deixa à cultura apenas o lugar do festival do Verão, do evento pontual em Lisboa ou no Porto. Ou Guimarães, enquanto durar a festa da Capital da Cultura. Mas a cultura enquanto cidadania, conhecimento, vivência quotidiana e da comunidade é mais do que indesejada pelo Governo. Não é já o tão apregoado “livrar o Estado das artes”, que PSD e CDS vão repetindo, é sim o Governo a querer ver-se livre das artes.
Declaração política sobre encerramento de teatro municipais a 14 de junho de 2012
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