Ives Dachy*
[Este artigo introduz um debate em torno das noções da “defesa animal”, “defesa da natureza e do meio ambiente” e “biodiversidade”. Estes conceitos, surgidos em épocas diferentes, gravitam hoje à volta de uma mesma realidade: a destruição das espécies. Trata-se de um processo destruidor dos seres vivos, impulsionado pelo ser humano. Priva-nos de recursos e de inumeráveis invenções da vida. Faz com que as populações humanas dependam cada vez mais da produção industrial de mercadorias, sobretudo alimentícias, cortando assim a sua autonomia. Por conseguinte, reduzirá as populações humanas se for alcançada a fase terminal com o esgotamento dos recursos de matéria orgânica necessários à alimentação.]
“No caminho de regresso matei um grande pássaro que estava perto de um grande bosque. Creio que foi o primeiro disparo feito aqui, desde que se criou o mundo.” Daniel Defoe, Robinson Crusoé, 1719.
A erosão das espécies, com as suas causas e consequências, é um fenómeno pouco conhecido pela população. Os habitantes do meio rural, que estão mais em contato com as espécies selvagens, percebem sobretudo a rarefação dos grandes insectos (borboletas, besouros, etc.) em comparação com as últimas décadas do século xx. Os nossos pares consideram muitas vezes que a destruição das espécies é um fato positivo; um objetivo desejável para nos desfazermos dos “bichos”, dos “insetos que picam” e das “pragas”, que convém erradicar através do uso intensivo de pesticidas e com a ajuda da caça. Muitas vezes fecham os olhos à destruição da biodiversidade e suas consequências para não as assumirem, tal como os ricos passam diante dos pobres sem os verem.
O desaparecimento da biodiversidade e suas consequências não é uma questão que preocupa os grandes partidos, centrados na conservação dos seus privilégios e na crença de que o “crescimento” fixará para sempre todos os problemas. A cobiça capitalista é em parte responsável pelo desaparecimento da biodiversidade, um fenómeno que faz parte da crise ecológica. Dizemos “em parte”, porque as práticas biocidas são bastante mais antigas que o começo da era industrial (há 200 anos). Quando a caça e a recoleção constituíam a actividade principal dos nossos antepassados, o uso do fogo para encurralar os animais arrasava gratuitamente muitos hectares. Mais tarde, utilizou-se o fogo para destruir os bosques primários até aos nossos dias. Deste modo, desapareceram numerosas espécies vegetais e animais. Desde ponto de vista, as máquinas cortadoras e escavadoras são armas de destruição massiva.
O Homo sapiens faz de aprendiz de bruxo com o único planeta de que dispõe. Será que vamos reeditar a grande extinção que se produziu nos finais da era paleozoica (Pérmico-Triásico, há 252 milhões de anos)? Foi um período breve (à escala geológica), caracterizado por uma evidente ausência de fósseis nas rochas da época. Esse estranho período intrigou muitos paleontólogos, que encontraram provas do mesmo em vários continentes. Tiveram que passar cinco milhões de anos para se reconstituir um ecossistema completo, nos mares e continentes. Hoje, sabemos que 90 a 95% das espécies terrestres desapareceram com a quase totalidade das espécies marítimas. Uma série de erupções vulcânicas libertaram quantidades massivas de dióxido de carbono e enxofre; sobreaquecendo com o efeito de estufa, e contaminando, pela acidificação da atmosfera e das águas, o ecossistema global da época, que desapareceu quase totalmente. Hoje, a biosfera volta a reaquecer e a contaminar-se com pesticidas, nitratos, etc., reproduzindo, quase identicamente, a crise de então, mas com maior rapidez.
Ninguém poderá dizer quando um colapso profundo da biodiversidade afectará a nossa própria espécie. Esta projeção é difícil de modelizar por cinco razões:
- Ignoramos qual será o comportamento e a capacidade de resistência dos humanos, quando um maior número tiver que compartilhar menos recursos.
- As políticas dos governos não são previsíveis, devido à capacidade de iniciativa do ser humano.
- As classes dominantes negam adoptar, de forma concertada, medidas que permitam deter bruscamente a contaminação, a geração de CO2 e o tráfico que tanto os beneficia.
- O processo carateriza-se por uma grande inércia. Não é possível detê-lo rapidamente, porque opera à escala de toda a biosfera: atmosfera, continentes, águas continentais e marítimas, e todos os seres vivos autónomos, simbióticos, comensais ou parasitas, são interdependentes.
- Finalmente, a consciência geral do perigo é débil na população e nas administrações, porque os meios de comunicação e os partidos não incluem a nossa espécie no conceito de biodiversidade e reduzem-na a umas quantas espécies chamativas que terá que “proteger”. Tratam da erosão dos ecossistemas como um sucesso anedótico, negando questionar o status quo social.
Se a destruição das espécies continuar, ao ritmo actual, a humanidade, que depende da fauna e da flora, nem sequer poderá recuperar a condição de caçador-recoletor, que prevalecia antes do aparecimento da agricultura e da pecuária (há somente 7.000 a 10.000 anos). Os cultivos de arroz e de trigo já se vêem afetados e poderão desaparecer localmente, a curto prazo, ou terem que ser deslocados. Os laboratórios já estão a trabalhar com muito esforço para criar cereais mais resistentes à seca actual em muitas regiões. A humanidade terá que lutar para proteger os cultivos contra parasitas multirresistentes aos pesticidas, que criamos e espalhamos por todas a parte e que teremos de deixar de utilizar, depois de somente 60 anos de emprego catastrófico. E o nível tecnológico requerido para sobreviver talvez não seja acessível a toda a população do mundo. Esta projeção dramática poderá materializar-se, por causa do aumento das temperaturas médias mundiais de 2°C, prevista para 2050 (quer dizer, amanhã), depois do aumento de 1,5°C já alcançado, entre 1850 e 2010.
Já existe fome permanente, que afeta milhões de seres humanos, no Leste de África e Ásia. Está a ser estabelecido um novo ambiente climático, débil ampliação do clima natural modificado artificialmente, que transforma os bosques em pradarias, as pradarias em desertos (Sahel), e produz inundações noutras regiões. Isto complica a produção de bens de sobrevivência e provoca guerras de rapina permanente que já isolam o Leste de África e a bacia do Congo.
No entanto, não existe um grupo, semelhante ao Grupo Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (GIEC), dotado de competências meramente consultivas, dedicado expressamente a tratar de evitar fenómenos como o do Pérmico-Triásico. Um organismo deste tipo formularia propostas que chocariam frontalmente os regimes liberais, que têmbloquado a sua constituição. A crise climática é um dos parâmetros que se combina com a contaminação da biosfera para induzir uma erradicação da vida. A biodiversidade corresponde às nossas necessidades e o seu desaparecimento é catastrófico. Efetivamente, a totalidade da nossa alimentação sólida provém de animais ou plantas. Não sabemos fabricar massivamente alimentos sem contar com matéria-prima de origem orgânica.
Urge definir e aplicar políticas de defesa da biodiversidade, em grande escala, decididamente coercivas contra os exploradores, os contaminadores e todos os de degradam os componentes da biosfera. Podem ser definidos objetivos quantificáveis para o laxismo liberal até chegar a superação do capitalismo, intrinsecamente incapaz de proteger o planeta. Esta luta é indissociável da contenção das alterações atmosféricas, sintoma da chegada de uma crise irreversível provocada desta vez pela humanidade. Uma mudança climática mais rápida do que a da primeira crise, como dão a entender os indícios, é incontrolável a, curto prazo, devido à enorme inércia do fenómeno. Proteger a biodiversidade, domar o clima e decidir de imediato é salvarmo-nos. Amanhã será demasiado tarde.
Numerosas associações já empreenderam a tarefa de dar à luz estudos realizados por economistas, naturalistas, ecologistas e biólogos. Passaram da defesa dos animais de companhia, no século xix, realizada por motivações caritativas, à defesa global dos ecossistemas de finais do século xx. Mas o efeito das suas ações é débil. Vêem-se isoladas e reprimidas em vários países e carecem de meios económicos de acordo com a gravidade da ameaça. Há governos que bloqueiam a luta contra os gases do efeito de estufa e contra os pesticidas, e alguns deles apoiam inclusivamente os “caçadores furtivos” que destroiem a vida.
Estende-se a ideia de que um programa de defesa da biodiversidade, em geral, é irrealista num contexto capitalista. Em França, uma corrente do movimento de “defesa animal” aproximou-se dos anti-capitalistas organizados. É necessário criar vínculos entre estas correntes, que chegam às mesmas conclusões, rompendo com antigos preconceitos apolíticos, depois de ter sofrido a repressão na própria carne (durante as manifestações anti-taurinas, por exemplo). Uma moção em defesa dos seres vivos, apresentada por um grupo no congresso de um partido, obteve uns míseros 16% de votos favoráveis. Trata-se de uma atitude contra as ideias novas mas, por outro lado, foi a primeira vez que esta preocupação penetrou na esfera da “alta política”. Urge que façamos nossa a questão da biodiversidade, que inclui a sobrevivência do nosso planeta, e da defesa animal, como complemento das demais lutas contra a barbárie e por um horizonte socialista.
* Intervenção feita numa conferência realizada a 30 de março de 2012. Artigo publicado em :
Tradução: António José André
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