quinta-feira, 27 de outubro de 2011

As consciências raptadas pelas carteiras

As consciências raptadas pelas carteiras

Quarta, 26 Outubro 2011 10:37
Uma decisão administrativa do presidente do Parlamento Europeu impediu quarta-feira o voto de uma proposta para reduzir as despesas de escritório dos eurodeputados. Essa decisão foi contestada por Miguel Portas, que a classificou como "lamentável". Este eurodeputado usou o mesmo adjectivo quando, à saída do plenário, comentou a ajuda que o deputado José Manuel Fernandes (PSD) deu à presidência da sessão, defendendo o método que eliminava, sem voto, a proposta apresentada por 41 deputados de vários grupos parlamentares. "Foi um golpe de secretaria. Ainda por cima praticado com a cumplicidade de um eleito por um partido que recentemente eliminou os subsídios de natal e de férias", rematou o deputado do Bloco de Esquerda. Pouco depois a medida acabou por ser votada favoravelmente por 178 deputados – entre mais de 700 – embora de forma indirecta. 
Apesar de afastada administrativamente, a proposta de redução das despesas de escritório dos eurodeputados – actualmente de 4296 euros mensais – acabou por ser votada indirectamente alguns minutos mais tarde. Com efeito, 178 deputados pronunciaram-se a favor de uma emenda apresentada por Miguel Portas em nome da Esquerda Unitária Europeia (GUE/NGL), onde se lamentava que a contenção orçamental revelada em várias rubricas "não tenha sido alargada às diversas categorias de despesa destinadas a financiar as actividades dos deputados, nomeadamente o seu subsídio de despesas gerais num montante de 51 588 EUR por ano, que escapa a toda e qualquer incidência fiscal".
Na sessão de quarta-feira de manhã o Parlamento Europeu aprovou um orçamento da União Europeia para 2012 que inverte as prioridades dos povos da União em termos humanos, sociais e económicos, com os votos contra da Esquerda Unitária (GUE/NGL). Foi nesse quadro que o Parlamento Europeu não só rejeitou como se recusou a votar uma emenda de Miguel Portas no sentido de serem cortadas cerca de cinco por cento das despesas gerais dos eurodeputados, que assim passam ao largo da crise. A fuga à votação foi conseguida por uma manobra regimental protagonizada pelo presidente do Parlamento e o relator do orçamento parlamentar, o eurodeputado José Manuel Fernandes, do partido português do governo. Publica-se na íntegra a intervenção de Miguel Portas durante o debate para se perceber como se comportou o Parlamento Europeu nestas matérias em tempos de profunda crise e austeridade cruel.

Intervenção de Miguel Portas
Sr. Presidente
O primeiro problema desta proposta de Orçamento é o de, no essencial, ter sido decidida em 2006. Antes da crise de 2008 e 2009; antes da crise das dívidas; e antes da crise que aí vem em 2012. 
Este é um Orçamento escasso, muito escasso, para as necessidades da Europa.
O segundo problema desta proposta é o de se encontrar refém de compromissos com interesses muito poderosos. Ele gasta mais em políticas securitárias do que em educação. Apoia mais os grandes grupos económicos do que as pequenas e as médias empresas. Canaliza mais recursos para as multinacionais do medicamento do que para a investigação médica universitária.
Nós valorizamos o esforço da relatora. Mas compreendam, não podemos apoiar esta proposta de Orçamento. 
Sr. Presidente
Algumas palavras sobre o Orçamento para este Parlamento.
Pela primeira vez existe um esforço de contenção de despesas. Por isso não compreendo porque é que esse esforço deixa de lado as despesas dos eurodeputados.
A proposta corta 21 milhões de euros nos intérpretes e nas traduções, com consequências sobre o emprego e com risco para o multilinguismo. Mas já se recusa a tocar nas verbas que temos ao dispor para as nossas despesas de escritório.
A maioria desta casa defende as políticas de austeridade. Nalguns países, essas políticas significam desemprego de massa e cortes de 20 e 30 por cento nos salários e nas pensões.
Num contexto de injustiça e de dificuldades tão grandes, como é possível manter o princípio não escrito da intocabilidade dos nossos rendimentos?
Como querem que os cidadãos olhem para nós?
Pior ainda, como queremos olhar para os nossos concidadãos? Com que cara?
Um Parlamento que continue a insistir na intocabilidade dos rendimentos dos seus deputados é um aquário de irresponsabilidade e insensibilidade social. Dentro de 3 horas é a nossa consciência que vai a votos. A minha, caros colegas, não foi raptada pela carteira.


Hugo Dias

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