quinta-feira, 16 de maio de 2013

Lula foi o pai dos pobres e a mãe dos ricos


Brasil: "Lula foi o pai dos pobres e a mãe dos ricos"
 
Entrevista a João Paulo Rodrigues Chaves, dirigente do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra
 
À beira das imensas auto-estradas brasileiras encontram-se acampadas mais de 150.000 famílias camponesas que aspiram ter uma pequena fazenda. Desde a sua criação, há três décadas, o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) apoia esta causa. Hoje, convertida numa das organizações sociais mais importantes da América Latina, o MST mantém a sua luta num cenário ainda mais complexo e globalizado, onde confluem interesses económicos de enormes dimensões. Joâo Paulo Rodrigues Chaves, membro da sua Coordenação Nacional, acaba de receber o Prémio Guernica pela Paz e Reconciliação, um galardão para uma luta dificultada pela repressão oficial e pelo assassinato clandestino.
 
 - O conflito social permanece no campo brasileiro. Nestes últimos trinta anos consolidaram-se progressos ou a situação piorou?
- O movimento fundou-se num período ditatorial e, para nós, supõe um avanço importante a consolidação de um processo democrático e as conquistas económicas e de direitos sociais para o campesinato, como a política de créditos agrícolas, a introdução da energia eléctrica ou a educação.

- Mas a concentração da propriedade agudizou-se nas últimas décadas.
- Apareceu um novo factor. As transnacionais, que adquirem terras para as dedicar à monocultura para exportação. podem cultivar cana-de-açúcar e produzir etanol, no estado de São Paulo, ou eucalipto, no Nordeste, com o fim de gerar pasta de celulose, graças ao capital finlandês ou sul-asiático, ou dedicar-se ao negócio da soja no centro-oeste. Neste negócio entraram Monsanto, Bunge, Bill Gates e George Soros, entre outros.

- A agricultura brasileira é um exemplo de globalização comercial.
- O capital internacional emigrou para o nosso país como una forma segura de investimento em tempos de crise. Toda a exportação de grão é levada a cabo por cinco ou seis empresas e a produção de carne é canalizada através de três empresas frigoríficas. Esse fenómeno deixa-nos numa situação muito complicada porque o inimigo já não é o latifundiário local, mas a grande empresa internacional com sede em Nova Iorque ou Helsínquia.

- Os governos progressistas de Lula da Silva e Dilma Rousseff apoiam esta expansão?
- Lula foi o pai dos pobres e a mãe dos ricos, porque o modelo de desenvolvimento brasileiro está baseado no apoio ao investido estrangeiro. Dedicam-se 2.000 milhões de dólares (1.535 milhões de euros) a empréstimos, subsídios para infra-estruturas ou incentivos para os camponeses, enquanto que as empresas de agro-negócio contam com 120.000 milhões. Por exemplo, a soja para exportação não paga impostos, só a dedicada ao consumo interno.

- Este ano, três dos seus representantes foram assassinados. Quem mata no Brasil?
- Mata quem detém a terra. As grandes empresas são muito modernas e as suas plantações de São Paulo dispõem da tecnologia mais recente, mas o mesmo grupo pode possuir uma fazenda em Maranhão, a nordeste, completamente arcaica, com sistemas de escravidão e milícias armadas. Também temos problemas com a Polícia local, radicalizada contra nós. Sofremos da sua perseguição e criminalização, porque hoje o agro-negócio é hegemónico e o camponês sem terra, o indígena, o sindicalista e o ambientalista são os maus.

- Persistem entretanto cicatrizes como a escravidão e o trabalho infantil?
- Permanecem porque a agricultura é mista, existe a moderna e aquela que se baseia no trabalho barato da mão de obra sem direitos, que destrói a floresta e pressiona os pequenos proprietários para que vendam. Nas suas fazendas isoladas os trabalhadores têm de pagar a cama, a comida e a roupa. No ano passado foram libertadas 2.000 pessoas que estavam nesta situação.

- Existe consciência no país acerca dos riscos do monocultivo industrial, não só no plano económico mas também no sanitário, pelo elevado uso de pesticidas que exige?
- Não, o Brasil é o maior consumidor de agro-tóxicos do mundo, com uma média de cinco quilos por pessoa, o que supõe quase mil milhões de quilos anuais. O fenómeno é muito grave porque se espalham por avião, o que afeta a saúde das pessoas. Fumigam-se os cultivos de soja, milho, eucalipto ou os pastos, mas não há crescimento da produção de feijões, mandioca ou frutas, como a manga. Os preços dos alimentos são os mais elevados da América Latina: o do tomate aumentou 150%, já é mais caro que a carne.

- Este modelo de desenvolvimento é viável?
- Não é sustentável. Os países emergentes necessitam de processos novos. Não se investe em tecnologia que não seja para o biodiesel. Estamos a perder a soberania alimentar. Os camponeses emigram para as urbes e os grandes capitalistas querem explorar a Amazónia para extrair o ferro. Vamos ter enormes problemas sociais e ecológicos.

- A classe política parece carecer de consciência dos riscos assumidos, mas o que acontece com a sociedade?
- Existe a consciência de que o país se enriquece diante de um mundo em queda e uma crescente classe média que reclama uma boa casa, carro, televisão e frigorífico. A população brasileira concentra-se em cinco cidades -  Sâo Paulo, Río de Janeiro, Belo Horizonte, Fortaleza e Salvador - e não lhe importa o que possa acontecer em Mato Grosso ou na Amazónía, mesmo que o grande motor económico do país seja o campo. Agora existe muita preocupação sobre o aumento dos casos de cancro, mas não existe um debate sobre a sua causa. Pensa-se no crescimento económico, mas não no crescimento social, nem nos riscos que comporta.

 
Contexto económico do país
- Exportações agrícolas. O Brasil ocupa a terceira posição mundial, atrás dos Estados Unidos e da UE.
 - Controle de terras. 50% dos seus 65 milhões de hectares de terras aradas encontram-se nas mãos de grandes grupos económicos e 54% dos cultivos são transgénicos.
- Superfície cultivada. As explorações superiores a 100.000 hectares passaram de 22, em 2003, para 2.008, em 2011.

- Membros do MST. Conta com 2,5 milhões de filiados e atribui o assentamento de 500.000 famílias.
- As vítimas. Desde 1985, 1.566 pessoas foram assassinadas no Brasil por defender o seu direito à terra. 8% destes crimes foram julgados.

 
 Publicado em: http://www.lavozdigital.es/
Tradução: António José André

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