Vicenç Navarro*
Mais de uma vez, referi que um dos maiores problemas da democracia espanhola são os grandes meios de comunicação do país, cuja tendência conservadora e liberal (na realidade, neoliberal) é esmagadora. Com o desaparecimento do PUBLICO, como diário rotativo, não existe hoje, em Espanha, nenhum media de esquerda. As consequências deste fato são esmagadoras. Vejamos alguns exemplos desta tendência.
1. Desde que começou a crise, não houve nenhum media que, através dos seus editoriais, tenha referido que as políticas de austeridade levadas a cabo pelos sucessivos governos eram desnecessárias e erróneas. Só agora, quando o desastre dessas políticas é evidente, aparecem vozes tímidas que, mesmo salientando que são necessárias, alertam que elas são insuficientes. Pela primeira vez, aparecem estes discursos nesses media acentuando que, para além da austeridade, se requer o estímulo económico. Mas ainda não apareceu nenhum editorial entre os maiores diários rotativos do país a referir que as políticas de austeridade foram um enorme erro. Alguns de nós temo-lo salientado desde o início da crise sem que tivessemos a oportunidade de colocar os nossos pontos de vista em tais media.
2. Quando na Europa aparecem vozes a salientar que essas políticas de austeridade são profundamente erróneas (tal como assinala Jean-Luc Mélenchon, candidato do Partido de Esquerda, em França), tais vozes são definidas pelo correspondente de El País, Miquel Mora, como extremistas. E quando escrevo uma Carta ao Director desse diário rotativo a perguntar por que a proposta de Mélenchon de acabar com as políticas de austeridade é extremista e a proposta de as manter (como escreveu El País nos seus editoriais), se apresenta como lógica, razoável e plena de senso comum, tal carta não se publica.
3. Um pouco parecido acontece com a candidatura de Marine Le Pen, cujas posturas na sua totalidade são também definidas, não só pelo tal correspondente, mas por todos os media, como extremistas. Não tenho nenhuma simpatia por essa candidata ou por esse partido e muitas das suas posturas, anti-imigrante entre outras, repugnam-me. Mas é um erro considerar todas as propostas ou todos os seus votantes (a maioria jovens da classe trabalhadora) como “extremistas”, pois um ponto mobilizador para sectores importantes dessas bases é o seu antagonismo para com as políticas autenticamente extremistas do establishment europeu responsável pela maior crise que a Europa teve nos últimos sessenta anos. Estas últimas políticas são consideradas sensatas e aquelas que se lhes opõem como extremistas. Porqué? Isto é o que pregunta Mark Weisbrott, em The Guardian (27.04.12). Porque é que a sair do euro é extremista e permanecer nele não o é? A sua resposta é que a estrutura de poder reage definindo como extremistas (frequentemente também se utiliza o termo “populistas”) aqueles que têm a ousadía de questionar a sabedoria convencional que promovem, enquanto consideram razoável e de senso comum as políticas realmente extremistas, que estão a destruir enormemente a população e muito em particular as classes populares. São eles, os talibãs neoliberais, os que são totalmente impermeáveis aos factos e aos dados.
4. As políticas levadas a cabo pelo Banco Central Europeu (BCE) são extremistas e situam-se fora das práticas do que faz um banco central em qualquer país que tenha a sensatez de ter um banco central. Este mal chamado Banco Central Europeu é extremista na sua defesa da banca, tendo gasto um bilião de euros, desde Dezembro passado, para ajudar bancos privados (dando-lhes dinheiro por uma taxa ridícula de 1%) à custa dos Estados que tiveram que vender a esses mesmos bancos a dívida pública por taxas claramente exageradas, forçando-os assim a um endividamento insustentável. O fundamentalismo neoliberal do BCE é único no seu extremismo. Nenhum outro banco central ousa chegar a este ponto. E ninguém nos media chamou ao BCE de extremista. Por outro lado, às esquerdas que querem mudar este BCE, como Mélenchon, chamam-lhes de extremista.
Tal como o extremista BCE está a criar um enorme dano, também o está a fazer o Conselho Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetario Internacional com as suas propostas de continuar a impor a austeridade, apesar da enorme evidência que ela está a causar o colapso da procura e a atual recessão, continuando um dogma neoliberal que reflete quase um fanatismo da sua cegueira face à evidencia científica. Quem é realmente extremista?
* Vicenç Navarro - Foi Catedrático de Economia Aplicada na Universidade de Barcelona. Atualmente, é professor de Políticas Públicas na Universidade Johns Hopkins (Baltimore, EUA). Dirige o Programa em Políticas Públicas e Sociais patrocinado pela Universidade Pompeu Fabra e pela Universidade Johns Hopkins. Dirige também o Observatório Social de Espanha. Artígo publicado no diário digital EL PLURAL (7 de maio de 2012).
Tradução: António José André
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