sexta-feira, 18 de maio de 2012

O que o presidente do BCE entende por estimular a economia


O que o senhor Draghi e o Banco Central Europeu entendem por estimular a economia

Vicenç Navarro*  
Publicado na revista digital SISTEMA (11 de maio de 2012)

O Presidente do Banco Central Europeu (BCE), senhor Mario Draghi, na sua recente intervenção no Parlamento Europeu, reconheceu a necessidade de que às políticas de austeridade (que repetiu serem necessárias) se deveriam juntar políticas de estímulo do crescimento económico. Isso deu lugar a uma interpretação generalizada nos grandes meios de comunicação que apresentaram essa autoridade bancaria como sensível ao apelo do candidato socialista à Presidência da França, senhor François Hollande, para estimular a economía e facilitar o crescimento económico. Imediatamente, os cinco diários mais importantes do país escreveram editoriais, citando o que eles consideraram como uma mudança muito importante da autoridade máxima do BCE, surpreendidos pelo que consideraram uma nota de apoio ao apelo para estimular a economia.

Mas, pelos vistos, não leram o resto da intervenção do senhor Draghi, nem tão pouco parecem familiarizados com as teses desse senhor. Realmente, esse banqueiro não se mudou nem um centímetro do seu posicionamento, apoiando políticas que têm sido responsáveis pela Grande Recessão na União Europeia. O senhor Mario Draghi, dirigente durante muitos anos do banco Goldman Sachs, sempre indicou a necessidade de estimular a economía mediante o aumento da competitividade, que se conseguirá – segundo ele - “flexibilizando o mercado de trabalho”, o código que o mundo empresarial, incluindo o bancário, utiliza para definir o processo pelo qual o empresário pode despedir mas facilmente o trabalhador. Isto é o que o senhor Draghi está a recomendar para que a economia cresça.

O problema dessa postura é que toda a evidência – repito, toda a evidência - existente na literatura científica mostra que as suas medidas desacelerão o crescimento económico em vez de o estimular. Flexibilizar o mercado de trabalho quer dizer, em linguagem normal e corrente, embaratecer os salários. Este é o objetivo das sucessivas reformas laborais. E estão a consegui-lo. Tanto a massa salarial como o nivel salarial estão a cair a pique. As reformas do governo espanhol do PP estão a acentuar a destruição de postos de trabalho com o respetivo aumento do desemprego e queda salarial. Não há nenhum ápice de dúvidas de que os arquitetos destas reformas estavam plenamente conscientes de que isto era o que desejavam e que estão a consegui-lo. Não descarto que alguns dos economistas do BCE e do Banco de Espanha, assim como da Fedea (a fundação financiada por interesses bancáios e de grandes empresas), crentes ferverosos do dogma neoliberal, acreditam que despedindo os trabalhadores facilitam o crescimento económico. Mas duvido que o senhor Draghi o creia. A evidência é demasiado robusta para ser ignorada. A baixa de salários criará uma queda na procura, uma descida do crescimento económico e a respetiva baixa dos rendimentos do Estado e um aumento do défice. Isto é o que se passou na Grécia, em Portugal, na Irlanda e, agora, em Espanha.

E para reduzir o défice cortam nas despesas públicas, o que também diminui a procura e assim se reproduz o ciclo suicida que está a acontecer. E o senhor Draghi sabe. Não há dúvida disso. E porque o faz? O Presidente do BCE é um banqueiro que representa os interesses dos banqueiros para os quais o maior inimigo é a inflação. E sacrifica tudo – repito, tudo - para conseguir o que a banca deseja. Mas existe outro objetivo da crise que as suas políticas estão a mostrar. E esse objetivo é a eliminação do Estado de Bem Estar com a sua privatização, das pensões à saúde pública, pois o capital financeiro deseja deitar mãos às fontes de capital mais importantes nos países da Eurozona, como são a Segurança Social e os sistemas de proteção social. Se acreditam que esta interpretação é paranoica ou conspiracional, rogo-lhes que leiam os próprios discursos desse senhor. Foi este banqueiro que disse que “o modelo social europeu está a desaparecer”, numa entrevista ao ‘Wall Street Journal’ (24.02.12), observação que fez com aprovação. Não podia ter expressado melhor. Cito directamente a sua resposta, traduzindo literalmente do original en inglés. “O Estado social europeu já está a desaparecer. Num país onde os jovens têm um desemprego de 50%, como em Espanha, a proteção social já desapareceu… O objetivo de criar una situação de ‘choque’ é forçar que os países façam as necessárias reformas, como a reforma laboral, permitindo resolver os seus problemas” (o que o senhor Mario Draghi não esclarece é: problemas de quem). Mais claro do que a água. A suposta crise, criada em grande parte pelo capital financeiro, tem por objetivo conseguir o que sempre desejaram: o fim da Europa e da Espanha social.

* Vicenç Navarro - Catedrático de Economia Aplicada na Universidade Johns Hopkins (Baltimore, EUA). Dirige o Programa em Políticas Públicas e Sociais patrocinado conjuntamente pela Universidade Pompeu Fabra e pela Universidade Johns Hopkins. Dirige também o Observatório Social de Espanha.

TraduçãoAntónio José André.

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