O Bloco e as novas realidades dos movimentos sociais e das lutas populares.
Paulo Seara
Vila Real, 05.12.2012
Introdução
O período que vai de 2005 a 2011, foi excepcional, com forte intervenção política bloquista, com forte apoio popular, e demarcação em relação às políticas neoliberais do Partido Socialista. Superamo-nos, mas também nos deslumbramos. Ficamos mais institucionais. A experiência de participação nas lutas dos professores contra o modelo de avaliação deu frutos, mas também deu para o torto, acredito que tenhamos sido utilizados.
A legislatura, ao que tudo indica será de quatro anos, os nossos deputados terão oportunidade de se revessarem, de modo a outros adquirem mais traquejo, os não eleitos devem marcar presença nos seus distritos. Após 12 anos de crescimento, não guardaremos ressentimentos da derrota de 5 de Junho, estamos em guarda pelos direitos sociais da democracia, da justiça na economia, de uma via racional para combater a crise e as medidas de austeridade, pelo emprego, pelo socialismo.
Compreender o que se passa à nossa volta com os movimentos sociais e as lutas populares é o desafio do próximo debate, o meu contributo vai incidir na cultura.
A Revolução está na Cultura
A revolução não se faz apenas na rua, ou, por contraponto ao ser decretada pelas redes sociais na internet. Só uma cultura democrática de alta intensidade popular é que pode ultrapassar a movimentação social sem espaços de debate cara a cara, estabelecendo uma constante dialéctica entre os protagonistas, dando às diversas comunidades e grupos sociais a oportunidade de gerar a mudança.
Conquistar a rua é fulcral, mas encontrar espaços para o debate na democracia portuguesa fora da rua é importante de modo a mobilizar aqueles que se mantêm alheados.
É óbvio que é a mudança material o principal motor da revolução, mudar o rumo das privatizações e o desmantelamento do estado social, no entanto isso só será assegurado se formos mais longe para manter os bens vitais no domínio público. Pode levar muito tempo a inverter a situação atual. Só o predomínio de uma linguagem de esquerda, uma imagética rumo ao futuro, e uma visão cultural alternativa pode salvaguardar, defender e impedir que a ideologia neoliberal continue a ser maioritária na cultura portuguesa, arrisco dizer na cultura burguesa também, e que continua a realizar sucessivas experiências e doutrinas de choque, com base na fórmula TINA – There is no alternative.
É necessário uma alternativa de esquerda que parta da cultura, que ocupe espaços, que desfaça fantasmas, que esclareça, que aconteça, que seja provocante, que ultraje os nossos adversários, que lhes corte a palavra; que seja uma revolução cultural. Devemos mobilizar e participar nas movimentações sociais, sem ser o seu megafone. As lutas populares antes de se embrenharem na economia devem fortalecer-se com a cultura para formar uma contra elite. A década que passou foi protagonizada pelo aparecimento de mais movimentos cívicos. Mas ainda não apareceu uma contra elite. Atualmente a elite que nos governa rotativamente é homogénea, e ainda não encontrou um adversário, certamente que o prolongar da crise fará aparecer um.
Se existe esperança, ela reside numa classe a quem foi vendido um falso sonho de abastança e da independência, e que hoje não passam de marionetas dos grandes capitalistas, que vigiam o elevador social. A tomada de consciência passa por essa classe participar nos movimentos sociais, ou directamente no Bloco de Esquerda.
Por uma linguagem de proximidade, para ser a vanguarda e a retaguarda social
Para a direita, basta dominar a linguagem e a “lógica”, na mão dos média capitalistas, para o povo acreditar. A direita disse que não havia mais direita, era só mérito e trabalho, e ser-se independente, o resto vinha por acréscimo, o mercado era auto-regulado, as crises facilmente debeladas apoiadas na máxima nec plus ultra (não há mais nada além), a moral casou com o consumismo, os empregos e agora o trabalho não são para a vida (são efémeros), por outras palavras a subsistência pessoal e colectiva é uma condição do trabalhador, que ele tem de autodeterminar. Mas com políticas que não fornecem ferramentas para atingir a sobrevivência, o trabalhador apenas autodetermina as suas ilusões. Se o Bloco de Esquerda não dominar a linguagem, o chamamento para desmascarar o capitalismo não juntará forças. É imperativo dar a volta aos grandes substantivos abstratos do neoliberalismo.
O sonho liberal
Não existe unificação entre o todo social e o Homem burguês, e essa condicionante é o individualismo.
O neoliberalismo alimenta-se do ego, daí a explosão de crises financeiras fomentadas pelo risco moral.
O sonho liberal do Homem culto realmente não passa de um sonho: a cultura, neste âmbito, é entendida como a capacidade do indivíduo de, devido à complexidade da sua personalidade, reproduzir a sociedade no seu interior (daí os candidatos a PM liberais terem sempre um delírio da sociedade ideal, Mário Soares, a Suíça, Sá Carneiro, o Canadá, Sócrates, a Finlândia, Passos Coelho, os EUA), e de, assim, desenvolver em si mesmo o vínculo moral que confere coesão à sociedade. Isto provou ser um desejo piedoso, com as crises dos últimos 30 anos provocadas pelo mais desenfreado neoliberalismo. Porquê que a sociedade não muda, o politicamente correto não permite., existe um vínculo moral.
O neoliberalismo divulgou na esfera económica e social, que o desenvolvimento do egoísmo (e da corrupção) seria benéfico para toda a comunidade, pois o mercado corrigiria tudo. Foi assim que se alcandorou a globalização, apesar dos seus efeitos perversos no trabalho e na redistribuição de riqueza. Era a lei das inevitabilidades. O neoliberalismo, passou a ser uma imposição cultural em nome de uma economia arrumadinha. Todos estes desenvolvimentos estão a conduzir ao fim da tradição humanista burguesa, em que o movimento pelo aprofundamento da cultura, encetado nas luzes, associado ao empenho político é mera arqueologia histórica. Os fins últimos do capitalismo de hoje atacam a liberdade e a construção liberal dos últimos 250 anos.
Ultrapassar a noite de Chicago
A nossa mensagem tem que ser cristalina, nítida e audível. Durante as nossas ações, como nas campanhas usar conceitos abstratos como Justiça, não entram com facilidade nas bases populares, entram no nosso eleitorado base. Porque podemos estar a falar em abstracto da justiça capitalista. As pessoas compreenderiam melhor a temática da corrupção.
É preciso não deixar prescrever a criatividade no Bloco, que primou pela originalidade durante os primeiros anos, e apresentar soluções para esta crise, tendo como alvo pontos fracturantes da nossa sociedade. Vivemos numa crise social, para além da evidente crise económica, no âmbito cultural, manifesta-se uma maior restrição de pensamento e expressão por parte do “political correctness” (politicamente correcto). Todos os possíveis grupos se definem como “prejudicados”, para com isso conseguir vantagens para si.
Enquanto o capitalismo trabalhou com a Escola de Chicago uma noite coletiva, através do medo. A esquerda socialista, no passado, realizava propaganda e agitação. A palavra modela, a propaganda e a agitação são fulcrais em momentos chave, mas não modelam uma sociedade, apaziguam e constroem narrativas comuns, mas numa se interiorizam a longo prazo. As palavras vão mudando, vão-se refrescando, dissimulando, foi isso que tornou o neoliberalismo um camaleão. A linguagem económica está por todo o lado, mas quem a compreende!?. A esquerda de hoje, não é a mesma de à 20 anos, a sua palavra também mudou. Então, o que é que falta? Usar mais a palavra, mas nunca faltar à verdade.
Os quatro caminhos do poder
Todos os governos, não importa qual a sua natureza, tem de fato só quatro caminhos para se manter no poder:
1. Inflação
2. Propaganda
3. Repressão
4. Guerra
Estes quatro meios são utilizados em proporções distintas. No nosso sistema democrático vem em primeiro lugar a inflação e a propaganda, menos a repressão (embora esta tenha aumentado nos últimos anos). Pelo menos até o momento na Europa, a guerra não papel de destaque.
Existe ainda um meio de manutenção do poder: a falsificação das estatísticas e a manipulação dos mercados. A manipulação do mercado acontece através dos governos, bancos centrais e bancos de investimentos e é extremamente importante no nosso sistema financeiro. Esta prática tem vindo a aumentar, tendo a entrada no Euro, iniciado uma escalada na manipulação estatística. A grande jogada neoliberal para desmantelar o Estado Social também necessita de muita manipulação. O que podemos fazer contra isto?
Democracia participativa todos os dias
A ideia da democracia participativa foi sempre mal-encarada no passado e ainda é vista como uma anomalia para a direita e para os social-democratas do PS. Insistir e construir pontes com os movimentos sociais é ocupar terreno da opinião pública onde ela interessa, fora da televisão e dos jornais. Se eles não podem com a democracia participativa, vamos encadeá-los com mais democracia.
A médio prazo isto vai criar o atrofiamento das maiorias de hoje, a direita e os sociais-democratas do PS vão passar a falar para as suas plateias indefectíveis.
Quem defende a democracia?
Neste momento o neoliberalismo ataca freneticamente os direitos sociais adquiridos com as revoluções burgueses, e nenhum partido burguês como o PS se lhe opôs! Excepto o BE, quase ninguém teve uma atitude firme e ao mesmo tempo inovadora na década de passou. A sociedade tem medo; o PCP barafusta mas protege-se com a ortodoxia. Há democratas sim, existem, mas qual é o partido que hoje defende genuinamente uma democracia?
Temos que discutir a realização de uma nova etapa na nossa democracia. No rescaldo do protesto de 15 de Outubro, o sociólogo Boaventura Sousa Santos (que participou na criação do BE em 1999), proponha que se realizasse uma nova Assembleia Constituinte de modo a aproximar a democracia participativa da representativa. Esta crise, é um bom motivo para repescar a nossa democracia, e encerrar o capítulo da II República. Necessitamos de fazer uma constituição socialmente mais justa, a atual tem sido desmantelada desde 2008, e demarcava-se assim o BE do PCP, que pretende manter a constituição como está. A direita e o PS, nem querem ouvir falar disso, soa a PREC, quando estamos em pleno PREC de direita!
A Esquerda Socialista tem um espaço e um modo de pensar a sociedade, mas que não é maioritária. A esquerda socialista deve estar ciente que a perda dos direitos burgueses, e dos compromisso do pós segunda guerra mundial, entre a social-democracia e direita, virão ao de cima mais cedo ou mais tarde, por enquanto vivemos numa neblina como aquela que assolou a Europa de 1925 a 1939. Se o neoliberalismo engolir a social-democracia para onde se vão virar os social-democratas?
Os movimentos de 12 de Março em Portugal e do 15 de Maio em Espanha são por enquanto um despertar caótico e hostil à democracia parlamentar, um raiar de democracia participativa, um misto de neoanarquismo não declarado e não consciente, política despolitizada, mas irá evoluir politicamente, fruto dos futuros conflitos que vão ocorrer nos países do sul durante as eleições, após a imposição de governo tecnoditatoriais ou posteriormente através de novas revoltas sociais, e que temos de aproveitar para por em marcha os objetivos de Marx: o socialismo. Só assim poderemos alcançar a paz social, e derrotar o neoliberalismo que se apropriou da sociedade e das nossas vidas.
O compromisso entre os Movimentos Sociais e o Poder ainda não existem pois ainda não há negociações na concertação social para os novos movimentos de trabalhadores precários. As centrais sindicais necessitam de realizar a sua inclusão social, no meio, e de se aproximar do exército de desempregado. A génese do conflito entre Movimentos Sociais e o Poder tem por base a resolução do desemprego e do contrato de trabalho, os salários; denuncia os bancos e os especuladores, mas a proteção da propriedade privada nas suas diversas formas está intacta; os direitos humanos são defendidos, mas não apresentam uma alternativa política socioeconómica que os defenda.
25 Propostas de intervenção para a esquerda socialista (algumas já em prática)
1. Participar e colaborar com os movimentos sociais
2. Conquistar espaços de debate e decisão para o BE e para as lutas populares
3. Continuar a politização do partido com mais encontros e debates temáticos sobretudo a nível local, que mobilizem a população
4. Divulgar até à exaustão o nosso trabalho nos média locais, regionais e nacionais; não podemos desistir nos meios mais difíceis, já sabemos que controla a imprensa… e daí!?
5. Ser criativo, usar o humor e o burlesco nas nossas ações
6. Fazer das nossas sedes espaços de democracia participativa e popular
7. Continuar com as nossas ações socioculturais, e alarga-las ao interior do país
8. Enraizar o BE local (municípios) com ações temáticas e visitas dos nossos ativistas
9. Nunca faltar a um debate, nunca mais evitar reuniões com as troikas do futuro
10. Apresentar alternativas de vida à crise burguesa contemporânea
11. Criar uma contra elite cultural de esquerda
12. Criar uma linguagem de proximidade, para ser a vanguarda e a retaguarda social
13. Condenar os cortes no ensino, ciência, ambiente e na cultura, que extirpam a sociedade da democracia, da cidadania, e do desenvolvimento cultural e científico e bem-estar ambiental
14. É preciso dar relevo ao eco socialismo dentro dos movimentos sociais e das lutas populares, em oposição ao ambientalismo de mercado e à mensagem telegénica do micropartido PAN
15. Concertar as lutas dos movimentos sociais à escala europeia em conjunto com o PEE – Partido de Esquerda Europeu
16. Colaborar com os estudantes do programa Erasmus para mobilizar os movimentos sociais e as lutas populares de esquerda a nível europeu
17. Lutar contras os tabus e as fobias sociais
18. Impor uma agenda de novas conquistas cívicas e causas fracturantes
19. Apoiar e dinamizar movimentos cívicos no interior do país
20. Procurar pontes com a economia social laica (IPSS), opondo-nos ao mercantilismo das Misericórdias e aos pobres serviços públicos para pobres
21. Exigir que as novas organizações de trabalhadores, precários, desempregados e imigrantes tenham mais participação nas centrais sindicais, e que se alargue a concertação social aos PI e ao FERVE
22. Fomentar o protesto social contrapondo-o ao imobilismo dos grandes partidos, e radica-lo na sociedade, no espaço urbano e no espaço rural
23. Defender os direitos adquiridos ao longo de gerações
24. Condenar e combater as novas formas de ditadura
25. Debater a realização de uma nova Assembleia Constituinte de modo a aproximar a democracia participativa da democracia representativa
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