sábado, 15 de janeiro de 2011

Olhão: quem tem telhados de vidro não devia atirar tantas pedras

            Na sequência da tomada de posição do Ruptura/FER relativamente às presidenciais surgiram, da parte de camaradas que defendem o apoio ao candidato Manuel Alegre, acusações várias sobre eventuais ligações da nossa corrente a um “vereador corrupto” do Bloco de Esquerda em Olhão. Tais acusações alegadamente tinham o propósito de mostrar a “incoerência” do Ruptura/FER relativamente às presidenciais. Qualquer bloquista sério, que queira entender, por um lado, o que se passou com o vereador de Olhão, por outro qual seria o rumo certa para estas presidenciais, entende que este método de misturar as discussões apenas serve para difamar uma das partes envolvidas e não para esclarecer qualquer dos assuntos em debate.
            Recusamos este método, porém não recusamos nunca o debate. Para evitar que, num período em que cabe ao BE uma profunda reflexão sobre se a estratégia a seguir é a de convergência com uma suposta ala esquerda do PS ou a votada em Convenção, de unidade à esquerda contra o Governo do PS, queremos evitar as tentativas deliberadas de contaminar uma discussão com a outra, a fim de branquear eventuais erros da direcção do Bloco. Por isso queremos esclarecer desde já a posição que temos sobre o caso do vereador João Pereira a fim de, daqui para frente, podermos centrar-nos na estratégia para a luta política e não neste caso.
            Parece-nos, antes de mais, estranho, que se assuma com naturalidade que o único vereador eleito pelo Bloco – excepção feita a Salvaterra de Magos – é “um corrupto” e que, em vez de tentar perceber como tal aconteceu e como podemos evitar que se repita, se tente taxá-lo como “aliado do Ruptura/FER”, matando assim o caso. Antes de mais, quem está familiarizado com o funcionamento interno do Bloco sabe que nenhum aliado do Ruptura/FER foi alguma vez indicado para lugares elegíveis em listas que não fossem para Juntas de Freguesia. Se o homem fosse aliado do Ruptura/FER o problema estava resolvido: a Mesa Nacional não o teria aprovado como cabeça de lista à Câmara de Olhão. Porém a Mesa Nacional aprovou-o, seguindo a indicação da Distrital do Algarve, apoiada pela Comissão Política. Ora é escusado lembrar que o Ruptura/FER não é maioritário em nenhum destes órgãos. À data desta escolha já eram públicos todos os dados que hoje se conhecem sobre o caso. O camarada disse na altura que eram calúnias. Mas porque a breve investigação que foi agora feita pela direcção, que a levou a mudar de opinião, não foi feita na altura? Porque é que um recém-entrado no BE, com um passado duvidoso, não foi investigado quando é indicado para cabeça de lista à Câmara Municipal, mas é-o meses mais tarde sem ter havido nenhuma novidade? Porque, à data, ele era um camarada que em nada tinha discordado com a actual direcção e que, pela popularidade que tem no Conselho, se entendia que ia ser a única vitória autárquica do BE, excepção feita ao bastião de Salvaterra de Magos. Passados uns meses o João Pereira caiu no “erro” de discordar com a Direcção e, aí sim, foi investigado. Entendemos assim que, no Bloco, um militante com um passado duvidoso não precisa de ser investigado caso concorra (prevendo-se que seja eleito) para um cargo público, porém se demonstrar discordâncias com a direcção essa investigação deve ser logo posta em marcha - isto sim devia motivar reflexões!
            E a história da acusação tem também muito que se lhe diga. A direcção, quando apresentou pela primeira vez a necessidade da constituição de uma Comissão de Inquérito para averiguar João Pereira não era pelas razões que apresenta agora - a possibilidade de ser um mentiroso e um vigarista - mas sim porque teria publicado num blog a sua posição contra o apoio a Manuel Alegre e que esta tomada de posição feria os estatutos do BE. Foi aí que o Miguel Portas se demarcou desta iniciativa que se preparava para expulsar um camarada do BE (o que seria um precedente inédito e gravíssimo do ponto de vista político, principalmente no partido que se apresenta publicamente como o mais democrático) por manifestar divergências políticas. Por isso o camarada Miguel Portas votou, esse sim, contra a Comissão de Inquérito, da primeira vez que a questão foi levantada. Porque não choveram então mails a dizer que o Miguel Portas protege corruptos e os tem como “aliados”? Mais uma vez, dois pesos e duas medidas…
Mais tarde, o João Pereira foi acusado de irregularidades nas contas da sua campanha autárquica, porém veio a descobrir-se que não era ele o tesoureiro da sua campanha e que as contas com “irregularidades” foram aprovadas pelo tesoureiro do Bloco e pela Mesa Nacional. Agora, por fim, é acusado de fuga ao fisco e outras irregularidades já apresentadas, todas, como já referimos, públicas à data da escolha do João Pereira para cabeça de lista em Olhão. É no mínimo um procedimento estranho, parece que o essencial é acusá-lo, já o motivo da acusação é secundário. Escusado dizer que é um procedimento a que somos alheios, nenhuma dessas decisões passou pelo Ruptura/FER, nem temos qualquer militante na Concelhia de Olhão, ou seja, quem apoiou, integrou, e confiou no candidato e vereador João Pereira foram apenas os camaradas que estão em maioria na Mesa Nacional e que compõem a Comissão Política, se João Pereira é ou foi um aliado de alguém, é desse sector. Se deixou de ser foi porque algo mudou, e ao que se sabe, o único factor novo na relação entre a direcção do BE e João Pereira foi a discordância deste relativamente ao apoio a Manuel Alegre, tudo o resto já vinha de trás.
            Quanto à Mesa Nacional e a Comissão de Inquérito (CI) também é simples entender que não nos opusemos à decisão de criar uma CI, mas apenas votámos contra a duvidosa composição desta CI. Os nomes propostos para a sua composição, o seu número reduzido e o simples facto de serem afectos maioritariamente às posições da direcção do BE, não garantiam à partida, nenhuma averiguação isenta. Deste modo fizemos propostas de mais nomes que a integrassem, para garantir a sua heterogeneidade e pluralidade, proposta recusada pela maioria da Mesa Nacional. Como as duas propostas foram votadas em alternativa, obviamente votámos na nossa proposta, proposta essa que também era a da criação de uma CI. Assim dizer que votámos contra a CI é, pura e simplesmente, enganar os militantes, demonstrando a seriedade com que se encara este debate e o respeito que se tem pelos camaradas. Também não votámos pela punição da Distrital que retirou o apoio a João Pereira, apenas propusemos que a Comissão (que sim, defendemos que existisse) averiguasse também o procedimento seguido, uma vez que nos parecia que esta decisão, cabia à Mesa Nacional e não à Distrital. Tão simples quanto isto. A tentativa de misturar, confundir e omitir, demonstra uma postura defensiva por parte dos camaradas que é já meia assumpção de que se sabem errados. Se assim não é, propomos que se deixe este assunto nas mãos da Comissão de Inquérito -que até hoje não apresentou qualquer novidade – e centremo-nos no que é essencial: nas presidenciais, nas ruas e nas futuras legislativas, a unidade que queremos é ao lado de Sócrates, de Santos Silva, de Alberto Martins, ou seja dos mentores e executantes da austeridade, ou em oposição a eles? É deste debate que depende o futuro do Bloco; desviá-lo, deturpá-lo ou misturá-lo serve apenas para enfraquecer o Bloco, a Esquerda anti-capitalista e o combate às medidas de austeridade.  


Manuel Afonso
14/01/11

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